quarta-feira, 4 de agosto de 2010

José Osvaldo dos Santos, o Brasinha - Parte I.

Como prometido, vamos dar continuidade às nossas publicações sobre a Semana Roseana.

E ainda há tanto para se falar: as apresentações de teatro de rua, a palestra do professor Luiz Claudio Vieira da UFMG, e seu orientando Enio, sobre Traduções Intersemióticas que tanto nos interessam, a Caminhada Eco-Literária, a Gruta de Maquiné, os caminhos do sertão...

Mas tudo visto, ouvido e vivenciado não teriam se potencializado tanto se nos minutos finais de nossa estadia, um homem com tanto brilho no olhar não tivesse parado ouvir e falar com os famigerados.

Soubemos depois, que José Osvaldo dos Santos, (famigerado no melhor sentido da palavra! rs) o Brasinha, é além de um comerciante muito simpático, um dos criadores e organizadores do Grupo Caminhos do Sertão, Diretor cultural da Associação dos Amigos do Museu Casa Guimarães Rosa e Diretor cultural do Circuito Turístico Guimarães Rosa.

Brasinha, nos concedeu muito gentilmente essa entrevista, com a cordura e a candura exata de um homem da "cidade do coração". E poder encontrá-lo, foi, com palavras não sei dizer...

Deixe então que ele diga:

E comum sorriso imenso, ele nos disse assim:
"Eu vivo aqui em Cordisburgo assim, respirando a literatura do Guimarães Rosa, porque eu sou um apaixonado pela obra..."
Bom, meu nome de verdade é José Osvaldo dos Santos, mas o apelido é Brasinha, é um apelido de escola, porque eu ficava sentado na escola num banco, um banco comprido, que dava para sentar duas pessoas, e aí eu não ficava quieto, eu saía e andava muito e tal, e um amigo falava assim: “senta aí rapaz, parece que tem uma brasa aí que ocê não pode sentar aí que vai queimar a bunda...” (risos)

Então ficou brasa, brasa, e ficou Brasinha o apelido. E eu nasci em Sabará uma cidade perto de Belo Horizonte, mas vim para cá com seis meses de idade, então eu me considero um Cordisburguense nato. Eu tenho 58 anos e vivo aqui em Cordisburgo assim, respirando a literatura do Guimarães Rosa, porque eu sou um apaixonado pela obra, porque o quê que eu fiz, eu comecei a ler Guimarães Rosa, foi interessado pelo real que têm dentro dessa ficção.

Porque eu sou comerciante, então eu tenho uma lojinha aqui na Avenida, na mesma Avenida da casa onde Guimarães Rosa nasceu e de frente à minha loja tem uma barraquinha, um barzinho que era do Juca Bananeira, e as pessoas - isso eu tava com 20 e poucos anos - as pessoas falavam: “Olha Brasinha, o Juca Bananeira, você sabe que ele é personagem dum livro do Guimarães Rosa, Guimarães Rosa nasceu aqui e escreveu Sagarana...” E eu toda vida achei Sagarana um nome maravilhoso, né? E aí eu fui conversar com o Juca para saber, e ele já me recebeu falando uma coisa bem Roseana, que ele falou assim: “Ó Brasinha, eu to lá dentro do Sagarana”.
Aí eu fui procurar o conto onde estava o Juca Bananeira, e eu encontrei lá um vaqueiro, é um conto que fala de uns vaqueiros que vão trazer uma boiada pro Arraial onde ela vai ser embarcada num trem, no trem da Central do Brasil tinha uns carros que carregavam bois, então essa boiada ia ser embarcada, os vaqueiros trazem a boiada e voltam para fazenda, e no rio cheio morre um monte de vaqueiros, e um desses vaqueiros chamava Juca Bananeira... E eu pensei “mas será porque quê Guimarães Rosa botou Juca Bananeira?”.

E fui perguntar pro Juca e ele falou: “Quando eu era rapaz, quando eu era menino, eu era vizinho da casa do Guimarães e eu olhava o Guimarães! O pai dele ficava “esse menino só fica lendo, só fica dentro de casa...” e me contratou para ficar olhando o Guimarães...” Aí eu pensei “Ah o Juca foi amigo de infância do Guimarães...” E daí eu comecei a ler outros contos, e achar esse real que eu falei para você... Que são pessoas, coisas, histórias, e fui achando esse real em vários contos...
E aí, depois chega por aqui a Calina, que criou o Grupo Miguilins de Contadores de Histórias, e o meu filho fez parte do primeiro grupo de contadores de histórias, e essa paixão pela obra do Guimarães Rosa que eu tenho, ela aguçou mais ainda por causa dos Miguilins também...

E aí eu comecei essa busca que eu estou te falando do real, porque a gente vai lendo a literatura e vai encontrando tudo, de repente tudo vira ficção...

E aí quando foi passado uns tempos que criou os Miguilins, aí os Miguilins entram no grupo com 11, 12 anos e ficam até 18, 18 eles saem para estudar. E a turma que saiu do grupo falava “ah, a gente queria continuar contado história...” Aí eu falei “Ah, então vamos criar um outro grupo..” Que é o Caminhos do Sertão, para abrigar esses meninos que saíam do Miguilins, e esses meninos vieram pro grupo e começaram a narrar estórias...

E aí passado um certo tempo, a gente começou a perceber essa coisa do real, e para gente perceber essa coisa do real dentro da ficção a gente começou a procurar os pontos da cidade falados na obra do Guimarães Rosa: ruas, casas, estação, pontes e tal...

E a gente estava fazendo isso, os meninos narrando, por exemplo: “Ah, aqui tinha uma casa, que tinha uma história, assim, assim, assim, que está lá na obra...” E os meninos ficavam em frente àquela casa narrando.

Daí a gente um dia, arrumou um grupinho assim, de umas dez pessoas, e essas dez pessoas foram ver os meninos narrar nesses pontos, e aí a gente começou a caminhar, daí uma amiga minha falou assim “Oh Brasinha, uma caminhada... com os textos do Guimarães Rosa ficaria interessante...” Aí surgiu a caminhada que a gente passou a chamar de Caminhada Eco - Literária, para mostrar para as pessoas os lugares geográficos reais onde o Guimarães Rosa coloca ficção...

E a gente chamou um grupo, que é o Zé Maria, o Fábio, Daiana, Mércia, o Leci, a Luana, o Elvis que é o violeiro... E começamos a fazer isso, e da cidade nós fomos pro entorno da cidade, fomos pro campo, fomos pras fazendas que o Guimarães Rosa fala, e aí a gente começou a convidar as pessoas nas Semanas Roseanas.

E a primeira caminhada, eu falo para as pessoas foi a caminhada melhor que eu fiz até hoje, porque foi eu e dez Miguilins, eles todos narrando só para mim, o público era só eu.. (risos) Então para mim foi assim, eu falei “puxa vida isso é mágico”, porque ouvir Guimarães Rosa é melhor que ler, tem uma musicalidade, uma sonoridade, uma coisa...

E aí, no ano seguinte, a gente falou, “Ah, vamos fazer a caminhada...” E fomos para uma vereda onde tem uns buritis, e aí tinha 50, umas 60 pessoas, no outro ano a gente foi para uma outra fazenda, pelos caminhos que o Guimarães Rosa fala no “Recado do Morro”, e aí já tinha 100 pessoas...
Aí a gente foi fazendo a Caminhada e a cada ano foi aumentando, já chegou a ter um público de 400 pessoas, e aí a gente percebeu que as pessoas, começam a entender muito melhor a obra quando eles estão nessa caminhada, é difícil explicar para as pessoas o quê que é isso, sabe?

É difícil...

Por que você fala: “caminhada, mas como será isso?” Mas quando as pessoas chegam aqui em Cordisburgo, e participam da Caminhada eles entendem o quê que é... Sabe? É uma literatura falada, nos lugares em que o Guimarães, que o escritor se inspirou...

Então as caminhadas surgiram com isso, com essa paixão minha pela literatura do Guimarães e dos contadores de histórias que são - eu chamo os meninos de “os arautos de Guimarães”, os anjos de Guimarães!
E acho que onde o Guimarães estiver ele deve estar muito feliz, de saber que os conterrâneos dele, estão divulgando essa obra dele, estão falando a obra dele, estão narrando a obra dele...

Então acho que, que é isso que ele queria... Por que em entrevistas dele ele fala que, ele pede as pessoas para ler a literatura dele em voz alta, então todo esse envolvimento meu com a literatura do Guimarães Rosa, essa paixão pela literatura ela é uma caminhada que eu faço, e continuo fazendo, que serve até espiritualmente para mim, sabe?

É muito bom você ler, e saber que esse conterrâneo nosso fez uma leitura da alma do sertanejo e botou na literatura pro mundo inteiro, que ele mesmo fala né? Que “o Sertão é do tamanho do mundo”, né? Quando ele fala “o sertão é o mundo” eu já começo a pensar que agora parece que o mundo tá virando sertão, sabe? De tanto que é divulgado as pessoas do mundo inteiro vêm para Cordisburgo para entender essa literatura.

Como nosso querido Brasinha já participou de Seminário Nacionais e Internacionais sobre Guimarães Rosa e sua obra, vamos listar alguns links por ordem de publicação, com artigos sobre sua atuação no estudo e divulgação da vida e obra do escritor Codisburguense:

TUCA: Teatro da PUC. Guimarães Rosa - 100 anos. (Jun. 2007)

Folha Online: Cordisburgo comemora centenário de Guimarães Rosa (Ago. 2008)

Cordisburgo, a terra do Rosa (Nov. 2008)

Portal Uai, Minas: Guimarães Rosa - O homem que viu a alma do Sertão (Dez. 2008)

Estudos Avançados: A Magia do Sertão desperta o Brasil (Dez. 2006)

Revista USP: Travessias, Cordisburgo e suas veredas (Fev. 2009)

AproPUC: O real dentro do imaginário de Rosa (Mar. 2009)

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