quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Brasinha - Parte II.



Continuação da nossa entrevista com esse famigerado Cordisburguense:








"...nunca mais você vai ler Guimarães Rosa, como você lia antes de vir à Cordisburgo"


A Famigerada: No final do Grande Sertão: Veredas, Guimarães Rosa diz "o que existe é o homem humano, travessia", e quando eu comecei a fazer a Caminhada eu entendi tão profundamente isso... E acho que isso na obra dele é muito latente, essa questão da travessia humana...


Brasinha: É aquilo que eu falei para você, você lembra? No princípio lá da Caminhada, no café, é o que eu tava falando "o real não está na saída nem chegada, ele se dispõe para gente é no meio da travessia", sabe? Então eu acho que o caminho, o caminho é importante, mas ele se torna mais bonito, mais maravilhoso, quando você vai ouvindo os textos, né? Aquilo entra dentro de você...


E eu acho que é aquilo que eu estava falando, além da travessia geográfica é uma travessia de vida, é a vida da gente, é essa travessia de vida, é uma coisa impressionante... E você fica pensando que só você que está atravessando a vida, mas não é, né? Todo mundo, num mesmo caminho...

Quando ele fala que, no rio quando você entra dentro dele para atravessar, você nunca sai no mesmo rio... A travessia ela não é direta, então essa caminhada foi um achado dentro dessa literatura. E todas as pessoas que vêm, parece que quando a gente fala que não tem como especificar, dizer o quê que é isso, "ah é uma caminhada...", parece que as pessoas falam "eu vou lá para eu ver como que é isso..." Porque a travessia interna, espiritual que é o cotidiano da gente, né?

Então eu acho que foi um jeito muito bom de ver a literatura...


Por exemplo, você é uma leitora de Guimarães, nunca mais você vai ler Guimarães Rosa como você lia antes de vir à Cordisburgo, e de ver, né? Vai ter um outro ritmo, porque tem uma musicalidade, a fala da gente...


A Famigerada: É um outro olhar, que realmente aguça a percepção, e a primeira coisa que a gente viu foi os Miguilins, e foi incrível ouvir o sotaque, ouvir a sonoridade, ouvir o trabalho com a palavra! E o Guimarães Rosa tem uma língua (risos) ...


Brasinha: Ele fala assim, tem uma etrevista dele que ele fala o seguinte, ele fala que ele queria a palavra antes dela passar por todo esse crivo, lá no nascedouro, a palavra pura... Quando tem aquele livro Ave, palavra, é uma saudação à palavra. A palavra é realmente o que move tudo isso... A palavra é muito importante, sabe?


E o Riobaldo fala lá no Grande Sertão, tem uma fala dele que é maravilhosa, quando ele fala "a vida da gente deveria ser como um teatro, cada um desempenhando seu papel no palco"... Isso é, o desempenho da gente na vida é um teatro, a vida da gente é um teatro, sabe? Então eu acho que é, igual eu te falei, me ajudou muito a literatura, leio outros escritores, acho, sabe?


Mas que difícil você ver uma cidade que cultua tanto um escritor principalmente, como Cordisburgo... Você vai, tá escrito frases pela cidade inteira... Você vê os Miguilins, é o museu falado, virou uma literatura falada, um livro falado, né? E isso...


Eu acho que isso que você faz, você vai fazer um teatro, vai fazer um filme, seja o que for, você vem beber na fonte, o seu entendimento depois disso é outro... Não que a gente saiba mais do que os outros...


Mas eu acho o seguinte, uma coisa que eu sou encantando também é o respeito de vocês, que vem de fora, para isso tudo, sabe? É um respeito sagrado, eu percebo isso... Vocês chegam, é... É uma coisa quase que sagrada mesmo, o respeito que vocês têm, sabe? E aí vocês vão entendendo que como aquele texto que a Daiane narrou na Caminhada, de Minas Gerais, aquilo do mineiro, né? E é isso, ele nunca mostra de cara quem ele é, né?


É como você ler o Grande Sertão, você vai ali pensando "que estória é essa?" e de repente aquilo deserenrola e vira um... né? Então eu acho que é isso, a literatura faz muito bem para todo mundo... e principalmente para nós de Cordisburgo...



A Famigerada: E o que eu senti da cidade é que não é uma cidade "alegórica" do Guimarães Rosa, é a cidade do Guimarães Rosa, e isso é mesmo visível nas paredes, quando você anda e vê um trecho de um obra dele, e eu queria que você falasse um pouco disso, como você vê a relação das pessoas com a obra do Guimarães em Cordisburgo?



Brasinha: Eu falo o seguinte, eu falo assim, quando as pessoas me perguntam às vezes as pessoas me perguntam "Oh Brasinha, em Cordisburgo o pessoal Guimarães Rosa?", eu falo "eles não precisam, eles são a obra", eles brotam de dentro do livro, sabe? Para eles é comum isso, e esse comum assusta a gente, principalmente você que vem de fora... É espantoso, tanto que as pessoas falam assim, Guimarães é, ele escreveu algumas coisas aí, que o pessoal fica encantado, sabe? A cidade tem, você encontra com as pessoas, e uma das primeiras coisas que eles falam é "você já viu os Miguilins?" né? Isso é importante, a naturalidade, que é o que ele expôs na obra dele... Eu enchergo assim, sabe? As pessoas como a obra do Guimarães, sabe? Mesmo aqueles que falam "Ah, eu não leio, isso é difícil, é complicado, eu não gosto disso..." Mas eles estão falando a obra do Guimarães, sabe? Por isso que eu falo procê, que ele tinha certeza... Porque têm uma das primeias entrevistas que ele dá, ele fala para pessoa, a pessoa diz "Ah, você escreveu Grande Sertão, Sagarana, Corpo de Baile, umas coisas meio complicadas..." E ele fala para pessoa "Vai para Cordisburgo, lá você vai entender minha obra..."

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