famigerados?

“Vosmecê agora me faça a boa obra de querer me ensinar o que é mesmo que é:
famisgerado... faz-me-gerado... familsgerado... familhas-gerado...?"

Do famigerado bandido Damázio, do Conto Famigerado de Primeiras Estórias. Guimarães Rosa.

 
Famigerado: adj. De muita fama (sobretudo quando má). Dicionário Aurélio.

“O senhor ache e não ache. Tudo é e não é...”

(Grande Sertão: Veredas)

FAMIGERADOS: Embebidos da essência ambivalente dos significados desta palavra, nós nos apropriamos do termo e suas possibilidades de significâncias, para batizar nosso coletivo e talvez descobrir que famigerados somos nós mesmos, da fome e da (má) fama nascidos e talvez um dia, célebres.

Nós que queremos criar um Teatro Urgente, que reconsidere as forças subversivas da crueldade presente em tudo o que é vivo – e que segundo Artaud, tem o poder mágico de despertar e alcançar as sensibilidades - questionando valores como a massificação e a marginalização, além da ética e da estética que regem o mercado cultural brasileiro, tão indisponível a fomentar experiências de novos artistas.

Nós atores, cujo próprio ofício situa sua essência no fino tracinho do que é coisa real por fora e da sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro, vivenciando universos inventados, recriados ou não, fictícios ou não, efêmeros por natureza, sabemos que o teatro não precisa de nós, nós é que precisamos dele, desse rito sagrado e profano.

Nós - homens e mulheres - que caminhamos na linha que divide o sim do não, nas margens dos extremos: dos sertões de Minas Gerais das histórias e estórias de Guimarães Rosa, ou das periferias e periferias de São Paulo, para alcançar dentro de universos regionais a humanidade universal.

Nós que já descobrimos o que significam Ítacas, estamos prontos para construir nossa própria Odisséia, redescobrindo as humanidades de anônimos pequenos-grandes Ulisses em suas batalhas diárias de anti-heroísmos e transcendências, seguimos nossa travessia decifrando mistérios.

Nós, que aprendemos com Clarice Lispector, que enquanto "se inventar Deus, Deus não existe", já sabemos que ser ou não ser não é mais a questão, mas a escolha diária de agora até a hora de nossa morte amém.

Nós agora só podemos esperar que Dioniso - esse deus bandido e generoso, amável e cruel,
famigerado -
abençõe.

Evoé.