quinta-feira, 29 de julho de 2010

Miguilins.

"Deus Meu! No Sertão, o que pode uma pessoa fazer do seu tempo livre a não ser contar histórias?"

João Guimarães Rosa.




Como prometido, vamos tentar publicar nossa série de artigos, entrevistas e reflexões sobre a XXII Semana Roseana de Cordisburgo, da qual tivemos o imenso prazer de participar.



E nosso primeiro evento não poderia ter sido mais impressionante:


uma narração de contos de Guimarães Rosa (incluindo trechos do Grande Sertão: Veredas e o delicadíssimo "A Menina de Lá", de Primeiras Estórias) pelo grupo de contadores coordenado por Dora Guimarães e Elisa Almeida, às 19h do dia 22, no Auditório da Escola Estadual Mestre Candinho, onde Guimarães Rosa iniciou o ciclo básico do Ensino Fundamental.


Os pequenos contadores nos emocionaram com sua apropriação sobre a obra, falando a língua de Rosa com uma simplicidade extraordinária. Como depois nos disse o querido Brasinha, também conhecido como José Osvaldo dos Santos (Diretor Cultural da Associação dos Amigos do Museu Casa Guimarães Rosa, Diretor Cultural do Circuito Turístico Guimarães Rosa, Cordisburgo - MG), os Miguilins, que também são responsáveis por guiar visitantes no Museu Casa Guimarães Rosa, parecem mesmo ser os arautos do escritor Cordisburguense.

Para conhecer melhor essa estória, entrevistamos a pequena e muito articulada, Kewellry Nala Silva Cruz, de 14 anos, que nos falou sobre a trajetória do grupo e sua relação com a obra do escritor.


A Famigerada: Como começou o Grupo Miguilin?

Miguilin Kewellry: Esse grupo, o Miguilin, foi fundado por uma prima de João Guimarães Rosa, Doutora Calina Silveira Guimarães em 1995, ela fundou esse grupo com o intuito dos jovens de Cordisburgo passarem por uma adolescência saudável. Ela morava em Juiz de Fora, e quando vinha à Cordisburgo via que o Museu estava parado, que os visitantes passavam, olhavam, mas não sabiam nada nem sobre a obra nem sobre a vida de Guimarães Rosa, então ela formou um grupo de guias que acompanhavam os visitantes informando vida e obra de Guimarães Rosa. Aí passou um tempo e ela viu a sobrinha dela, a Dora Guimarães, narrando obras de Guimarães Rosa e não só de Guimarães Rosa, mas de outros autores, e pensou em fazer o mesmo com os guias do Museu. Então ela falou com a sobrinha dela, e a Dora achou um absurdo ensinar Guimarães Rosa para meninos de 12 anos, porque Guimarães Rosa é uma literatura muito complexa, e a Calina falou que podia deixar que ela ia dar conta dos meninos, que ela só queria que a Dora desse as oficinas. E nisso foi, e o grupo já existe há mais de 14 anos e ele não fica somente no Museu Casa Guimarães Rosa, ele se expande por todo o Brasil. Com as narrações de estórias nós já fomos para várias cidades do Brasil inteiro.


A Famigerada: E por quê você se interessou por esse Projeto? Como é a sua história dentro do grupo?

Miguilin Kewellry: Eu estudava de primeira a quarta série no Colégio Estadual Mestre Candinho, e a Lúcia, que é uma das organizadoras da Oficina inicial, antes da Dora e da Elisa, ela escolheu alguns meninos que já estavam saindo da escola e que gostavam de ler e interagir com o público, então ela me escolheu junto com vários colegas meus, e nos encaixou na Oficina. Só que eu ainda não me interessava muito... Então minha mãe fez a inscrição, chegou lá em casa falou comigo, daí eu disse: "Tá bom, ? Então eu vou". E aos poucos eu fui me interessando mais. E por ser uma história muito complexa, você lendo Guimarães Rosa, os outros autores ficam fáceis de se ler... Lendo Guimarães Rosa você entende todos os autores com muita facilidade. Eu entrei no Grupo com 11 anos mais ou menos. Nisso fiquei dois anos, mais ou menos, na Oficina de Iniciação, e me formei em Outubro do ano passado, ano retrasado mais ou menos, não me lembro... E nisso já estou no Museu há algum tempo, e é isso, minha estória com o Grupo, é uma história, ah... Eu não gostava muito, depois eu fui me apegando...

Mas na hora de sair eu quero ver como eu vou ficar... (risos)

A Famigerada: E como é a relação entre os Miguilins?

Miguilin Kewellry: Por sermos poucos, a gente tem muito contato, ficamos muito amigos. Um monte de gente que faz parte do grupo é da mesma sala de aula. Daí ficamos mais apegados ainda, somos amigos há muito tempo.

A Famigerada: E me diz uma coisa, existe um tempo limite para ficar dentro do grupo?

Miguilin Kewellry: Sim, é porque que o ensino aqui em Cordisburgo só vai até o terceiro ano do Ensino Médio. Para você terminar, você tem que ir para fora de Cordisburgo, e com isso não tem como vir para o Museu e dar plantões no Museu, fica meio difícil. Daí com mais ou menos 18 anos, quando você vai estudar fora, você tem que sair do Grupo.

A Famigerada: E você já imaginou que curso vai fazer quando sair daqui?

Miguilin Kewellry: Eu estou em dúvidas entre dois, duas profissões bem distintas uma da outra... Eu queria fazer Biomedicina ou Teatro.

A Famigerada: Faça Teatro! (risos) Agora Kewellry, eu queria que você contasse para gente como é a sua relação com as obras do Guimarães Rosa e como você vê a relação da cidade com o escritor conterrâneo?

Miguilin Kewellry: Bom, como você pôde perceber, muitas construções e lojas têm nomes de obras de Guimarães Rosa, há várias frases espalhadas pelo comércio e construções. O povo parece que tem muito orgulho, por ser uma cidade parada, é ele (Guimarães Rosa) que movimenta todo o artesanato, o turismo... Todos os turistas que vêm para conhecer Guimarães Rosa, movimentam a economia de Cordisburgo, pode perceber nos trabalhos artesanais, nos bordados, que tudo tem um ponto puxado para Guimarães Rosa, seja uma frase, seja um desenho que ilustre a obra, mas tudo tem um ponto de referência á Guimarães Rosa. E eu gosto de ler Guimarães Rosa, porque além de ficar mais fácil de compreender outros autores, você aprende muito, porque nós vivemos numa época de muita tecnologia, apesar de ser uma cidade pequena... E com isso você vê todo o passado como era, você vê como é que era o Sertão, por causa do desmatamento a gente não tem muita visão, e na obra, mesmo através da imaginação, imaginando tudo como era, lendo e imaginando você consegue ver tudo, como era a vida, as paisagens, as construções, como era tudo há muito tempo, quer dizer não muito, mas há alguns anos atrás...

A Famigerada: Kewellry, o que a gente viu de vocês lá no teatro narrando, foi uma compreensão profunda sobre a obra, que gente que estuda anos e anos e anos não tem, então eu queria saber como foi e como é essa educação literária sobre Guimarães Rosa aqui em Cordisburgo?


Miguilin Kewellry: Bom, apesar daqui ser a cidade de Guimarães Rosa não se estuda muito sobre a obra, mais nos grupos de primeira a quarta série, que existe uma interação maior sobre a obra, porque de quinta série ao terceiro ano do Ensino Médio não tem muita interação com a obra... Mas apesar disso, nas bibliotecas tanto das escolas quanto nas bibliotecas públicas aqui de Cordisburgo, tem um vasto acervo da obra de Guimarães Rosa, então isso facilita muito o contato com a obra mesmo em si...

A Famigerada: Kewellry para gente terminar nosso bate-papo eu queria que você narrasse um trechinho da obra que você goste muito para gente!

Miguilin Kewellry: "Amizade nossa ele não queria acontecida simples, no comum, sem encalço, amizade dele ele me dava, e a amizade dada é amor."

3 comentários:

  1. Muito obrigado querida Miquilin Kewellry, você vai longe .. pode apostar !

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  2. É mesmo emocionante perceber que Literatura é vida! é incrível ver e reconhecer o quanto a obra Roseana contribui e está na formação dessa adolescente e ao mesmo tempo reconhecer o quanto a menina Kewellry também contribui pra vida da obra de Guimarães. É mais que lindo...

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